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terça-feira, 20 de outubro de 2009

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Enem e Nêmese

Os gregos antigos não podiam sequer imaginar um mundo em que os limites não estivessem bem definidos. Para eles, a desmedida e o excesso levavam o indivíduo ou um povo inteiro à ruína e à destruição, e não é por acaso que a literatura e a mitologia grega estejam repletas de personagens que foram implacavelmente punidos por seus delírios de grandeza. Esta preocupação com o autocontrole aparece, por exemplo, no mito de Dédalo, que fabricou um par de asas para que Ícaro, seu filho, pudesse voar. Como pai, e como grego, aconselhou-o a manter-se a meia altura, numa distância prudente tanto do Sol quanto do mar; o jovem, no entanto, embriagado pela nova sensação, tentou subir o mais alto possível: o calor derreteu a cera, as asas se desmancharam no ar e Ícaro encontrou seu fim lá embaixo, na profundeza do oceano.

Para viver feliz, o homem tinha de reconhecer que havia uma ordem natural nas coisas que se sobrepunha ao orgulho dos indivíduos; aqueles que transgrediam esta ordem com sua soberba e arrogância acabavam atraindo sobre si a vingança de Nêmese, a inflexível divindade encarregada de recolocar tudo em seus justos limites. Isso explica a forma que os gregos escolheram para comemorar a vitória sobre os persas em 490 a.C.: convencidos de que nada deteria o seu avanço, os exércitos invasores tinham trazido, com grande dificuldade, um imenso bloco do inconfundível mármore de Paros, com o qual pretendiam erguer um monumento no dia em que a Grécia caísse diante do Império Persa. Na batalha de Maratona, no entanto, foram fragorosamente derrotados pelos atenienses, que aproveitaram o mesmo bloco para que Fídias, o mais famoso escultor de Atenas, fizesse uma grande estátua desta deusa exatamente no lugar em que a louca confiança dos persas tinha finalmente encontrado o seu limite.

Infelizmente o que sobrava na Grécia anda fazendo muita falta aqui na Pindorama. Alguns obscuros funcionários do MEC, burocratas pedagogos (ou vice-versa, o que não melhora em nada a mistura) perderam qualquer senso de medida e convenceram o inexperiente ministro Haddad a embarcar na aventura do Enem. Embriagados pela presunção, sentindo-se pairar muito acima dos simples mortais, não tiveram a prudência mínima de ouvir, com o respeito merecido, a opinião das universidades sérias que o Brasil já tem – bem afinados, aliás, com o espírito geral deste governo, que acredita, em seu delírio, que nossa História começou com ele. O fracasso da primeira prova deveria ter sido suficiente para que entendessem o quanto este plano é absurdo, mas nada disso aconteceu. Um grego antigo diria que esta insistência é loucura. Os soldados do grande Império Persa fugiram com o rabo entre as pernas; nosso ministro, no entanto, ainda não entendeu o aviso de Nêmese.

Por Cláudio Moreno, na Zero Hora de hoje.

Rafa

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