Quero ser influenciado
Thomas Jefferson passou boa parte da vida tentando pagar dívidas. Vendia terras, vendia escravos, vendia quase tudo que tinha, em vão. Não conseguia saciar os credores. Um dia, decidiu vender o que lhe era mais caro: seus livros. Jefferson havia acumulado a maior biblioteca dos Estados Unidos na época, os albores do século 19. Não pareceria muito grande hoje, com seus cerca de 7 mil volumes. Naquele tempo de tipografias, porém, imprimia-se menos. Além disso, a biblioteca de Jefferson realçava-se pela qualidade das obras. Era organizada segundo os preceitos de Francis Bacon, que dividiu o pensamento em três áreas: a memória, a sabedoria e a imaginação. Ou História, Filosofia e Literatura.
Jefferson ofereceu seus livros ao Congresso Americano, que os comprou e o salvou da falência. Foi esta a base da Biblioteca do Congresso, hoje a maior do mundo, com 120 milhões de obras. Se as estantes da Biblioteca do Congresso fossem colocadas lado a lado, se estenderiam por 850 quilômetros. Você poderia ir de Porto Alegre a Punta del Este caminhando sobre as estantes da Biblioteca do Congresso. E ela não para de crescer – a cada dia, o Congresso adquire cerca de 7 mil exemplares. Uma biblioteca de Jefferson por dia. Até alguns da autoria do degas aqui podem ser encontrados lá.
Não há como não sentir vertigem em um lugar desses. Aqueles livros, milhões deles, e a certeza de que nem se vivendo 10 vidas seria possível lê-los todos. Em um livro que conta A Conturbada História das Bibliotecas, o autor, Matthew Battles, ele próprio bibliotecário, reproduz um texto em que o personagem experimenta tal sensação. Ele percorre as estantes da Biblioteca de Harvard, a quarta maior do mundo. E o que lhe sucede é o seguinte:
“À noite, ele saía vasculhando as estantes da biblioteca, puxando livros a esmo daquelas milhares de estantes e lendo-os feito um doido. Pensar naquelas estantes intermináveis repletas de livros deixava-o ensandecido – quanto mais lia, mais inumeráveis pareciam ser aqueles que jamais conseguiria ler. Lia insanamente, às centenas, aos milhares, às dezenas de milhares. A ideia de que outros livros estavam aguardando por ele atormentava-lhe o coração. Imaginava-se rasgando as entranhas de um livro como se estripa um frango”.
Foi como me senti quando pisei na Feira do Livro pela primeira vez. Já tinha estado na Biblioteca Pública, já tinha frequentado grandes livrarias, mas aquilo era diferente. O livro ali, no chão da Praça, sob as copas das árvores, em barracas de quermesse, não era sisudo como o livro das bibliotecas, que é manuseado em silêncio de hospital. Não. Na Feira, o livro é como pipoca e picolé. É uma festa. Mas havia tantos... Impossível ler todos. Em quais, então, deveria concentrar meu limitado poder econômico e meu tempo de leitura? Procurei indicações. Uma das mais valiosas foi a lista dos mais comprados. Ler o que os outros estavam lendo podia, no mínimo, render uma crítica ácida ao gosto dos outros. Agora a Feira não faz mais a lista dos mais comprados. E por quê? Para não influenciar o público, alegam os organizadores. Mas não era essa a ideia? Não é para servir de parâmetro? História? Filosofia? Ou literatura? Autores nacionais ou estrangeiros? O que é que o povo está lendo? Quero saber. Influenciem-me. Quero ser influenciado.
David Coimbra, na página 2 do ZeroHora de hoje
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