Mesmo quem desconhece a mitologia clássica praticamente não passará um dia de sua vida sem fazer várias referências a ela. Nosso idioma está repleto de palavras vindas do Grego e do Latim que evocam aquela notável tapeçaria de mitos e lendas que era a religião dos gregos e romanos; seus deuses, heróis e criaturas fantásticas atravessaram três mil anos e continuam presentes no léxico da maioria das língua ocidentais, muitas vezes escondidos em palavras com que convivemos inocentemente.
Quem que não enxerga essas relações simplesmente não sabe o que está perdendo, pois é sempre fascinante descobrir as histórias escondidas por trás de palavras aparentemente comuns. Por acaso nossa língua não fica mais interessante quando sabemos que o mês de janeiro tem esse nome porque era consagrado a Janus, um deus que tinha duas faces e que podia, portanto, olhar ao mesmo tempo o ano que terminava e o que estava começando? Ou que um museu é um prédio dedicado às Musas, divindades que presidiam as artes e o conhecimento? Ou que o cachorro do camundongo Mickey, o Pluto, tem o nome de um deus romano, em homenagem ao qual também foi batizado o controvertido planeta Plutão?
Néctar e ambrosia – Os deuses do Olimpo não consumiam os mesmos alimentos que os humanos, mas satisfaziam-se com duas substâncias imortais, inexistentes no mundo aqui de baixo: comiam a perfumada ambrosia e bebiam o néctar, uma bebida especial e revigorante. Ninguém sabe como era e que gosto tinha a lendária ambrosia – isto é, ninguém exceto a espertíssima Emília, personagem de Monteiro Lobato, que deu um jeito de roubar uma provinha numa das viagens que a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo fez à Grécia antiga; hoje a ambrosia desceu do Olimpo e tornou-se o nome trivial de um dos doces caseiros mais conhecidos da culinária luso-brasileira. Quanto ao néctar, cujo sabor original sempre será um mistério para nós, passou a ser usado para designar o suco concentrado das frutas ou o líquido que as abelhas colhem das flores para o fabrico do mel. De vez em quando ainda é empregado por pessoas sem imaginação como uma forma de elogiar um vinho ou um licor, no surrado lugar-comum “É um néctar dos deuses!” – felizmente esquecido no sótão das expressões abandonadas, na mesma prateleira empoeirada em que jazem “É de arromba!” ou “É da pontinha!”.
Atlas – Atlas era um dos titãs que lutou contra Zeus pelo controle do Olimpo. Derrotado, Zeus o condenou a ficar sustentando o céu sobre os ombros, mantendo-o assim separado da terra. Como os mitos gregos se relacionam uns com os outros, acabou acontecendo que Perseu expôs o pobre Atlas ao olhar petrificante da Medusa, transformando-o na cadeia de montanhas do mesmo nome, no norte da África. Quando o famoso cartógrafo Mercator, no século 16, colocou na capa de sua coleção de cartas geográficas a figura de Atlas com o globo terrestre nas costas, este nome associou-se para sempre a qualquer volume que contenha uma coleção de mapas.
Hipnotismo – Na Grécia, Hipnos era o deus do sono (chamado de Somnus, em Roma), que era o pai de Morfeu, o deus dos sonhos. Seu nome foi usado para designar aquele estado de sonolência que está associado à hipnose e, não por acaso, os medicamentos que induzem o sono são também denominados de hipnóticos. O nome de seu filho, por sua vez, está presente no radical de morfina.
Pânico – Este vocábulo vem de Pan, aquele deus híbrido com pequenos chifres na cabeça e com corpo de bode da cintura para baixo, que vivia nos bosques e nos campos correndo alegremente atrás das ninfas. Os gregos atribuíam a ele a forte sensação de medo que acometia os que passavam por lugares desertos, em que o menor ruído poderia indicar que o deus estava ali à espreita. Hoje o termo indica aquele medo incontrolável e irracional que às vezes nos ataca e nos invade com uma vontade irresistível de fugir. Esse sentimento difuso tinha uma variante feminina, a ninfolepsia, uma espécie de excitação frenética que se apossava de todo aquele que, em algum lugar isolado, numa hora morta, via-se rodeado pelas ninfas, mocinhas danadas e sensuais.
Sirene – O nome é uma variação de sereia, monstruosa ave com cabeça de mulher que Homero descreve na Odisseia. As sereias viviam numa pequena ilha no meio do mar e usavam seu canto para atrair os navegantes, para devorá-los. Só bem mais tarde a mitologia celta imortalizou a figura popular da sereia boazinha, metade mulher, metade peixe, bem diferente das terríveis criaturas que Ulisses enfrentou. Em Inglês, o mesmo termo siren é usado para a entidade mitológica e para o som agudo e estridente das ambulâncias e viaturas policiais.
Cláudio Moreno, na Zero Hora de hoje
Rafa
Quem que não enxerga essas relações simplesmente não sabe o que está perdendo, pois é sempre fascinante descobrir as histórias escondidas por trás de palavras aparentemente comuns. Por acaso nossa língua não fica mais interessante quando sabemos que o mês de janeiro tem esse nome porque era consagrado a Janus, um deus que tinha duas faces e que podia, portanto, olhar ao mesmo tempo o ano que terminava e o que estava começando? Ou que um museu é um prédio dedicado às Musas, divindades que presidiam as artes e o conhecimento? Ou que o cachorro do camundongo Mickey, o Pluto, tem o nome de um deus romano, em homenagem ao qual também foi batizado o controvertido planeta Plutão?
Néctar e ambrosia – Os deuses do Olimpo não consumiam os mesmos alimentos que os humanos, mas satisfaziam-se com duas substâncias imortais, inexistentes no mundo aqui de baixo: comiam a perfumada ambrosia e bebiam o néctar, uma bebida especial e revigorante. Ninguém sabe como era e que gosto tinha a lendária ambrosia – isto é, ninguém exceto a espertíssima Emília, personagem de Monteiro Lobato, que deu um jeito de roubar uma provinha numa das viagens que a turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo fez à Grécia antiga; hoje a ambrosia desceu do Olimpo e tornou-se o nome trivial de um dos doces caseiros mais conhecidos da culinária luso-brasileira. Quanto ao néctar, cujo sabor original sempre será um mistério para nós, passou a ser usado para designar o suco concentrado das frutas ou o líquido que as abelhas colhem das flores para o fabrico do mel. De vez em quando ainda é empregado por pessoas sem imaginação como uma forma de elogiar um vinho ou um licor, no surrado lugar-comum “É um néctar dos deuses!” – felizmente esquecido no sótão das expressões abandonadas, na mesma prateleira empoeirada em que jazem “É de arromba!” ou “É da pontinha!”.
Atlas – Atlas era um dos titãs que lutou contra Zeus pelo controle do Olimpo. Derrotado, Zeus o condenou a ficar sustentando o céu sobre os ombros, mantendo-o assim separado da terra. Como os mitos gregos se relacionam uns com os outros, acabou acontecendo que Perseu expôs o pobre Atlas ao olhar petrificante da Medusa, transformando-o na cadeia de montanhas do mesmo nome, no norte da África. Quando o famoso cartógrafo Mercator, no século 16, colocou na capa de sua coleção de cartas geográficas a figura de Atlas com o globo terrestre nas costas, este nome associou-se para sempre a qualquer volume que contenha uma coleção de mapas.
Hipnotismo – Na Grécia, Hipnos era o deus do sono (chamado de Somnus, em Roma), que era o pai de Morfeu, o deus dos sonhos. Seu nome foi usado para designar aquele estado de sonolência que está associado à hipnose e, não por acaso, os medicamentos que induzem o sono são também denominados de hipnóticos. O nome de seu filho, por sua vez, está presente no radical de morfina.
Pânico – Este vocábulo vem de Pan, aquele deus híbrido com pequenos chifres na cabeça e com corpo de bode da cintura para baixo, que vivia nos bosques e nos campos correndo alegremente atrás das ninfas. Os gregos atribuíam a ele a forte sensação de medo que acometia os que passavam por lugares desertos, em que o menor ruído poderia indicar que o deus estava ali à espreita. Hoje o termo indica aquele medo incontrolável e irracional que às vezes nos ataca e nos invade com uma vontade irresistível de fugir. Esse sentimento difuso tinha uma variante feminina, a ninfolepsia, uma espécie de excitação frenética que se apossava de todo aquele que, em algum lugar isolado, numa hora morta, via-se rodeado pelas ninfas, mocinhas danadas e sensuais.
Sirene – O nome é uma variação de sereia, monstruosa ave com cabeça de mulher que Homero descreve na Odisseia. As sereias viviam numa pequena ilha no meio do mar e usavam seu canto para atrair os navegantes, para devorá-los. Só bem mais tarde a mitologia celta imortalizou a figura popular da sereia boazinha, metade mulher, metade peixe, bem diferente das terríveis criaturas que Ulisses enfrentou. Em Inglês, o mesmo termo siren é usado para a entidade mitológica e para o som agudo e estridente das ambulâncias e viaturas policiais.
Cláudio Moreno, na Zero Hora de hoje
Rafa
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