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segunda-feira, 6 de outubro de 2008

SARAMAGO

Texto de José Saramago, extraído diretamente de O Caderno de Saramago, o blog dele.


Inimigos em casa

Que a família está em crise ninguém se atreverá a negá-lo, por muito que a igreja católica tente disfarçar o desastre sob a capa de uma retórica melíflua que já nem a ela própria engana, que muitos dos denominados valores tradicionais de convivência familiar e social se foram pelo cano abaixo arrastando consigo até aqueles que deveriam ter sido defendidos dos contínuos ataques desferidos pela sociedade altamente conflitiva em que vivemos, que a escola moderna, continuadora da escola velha, aquela que, durante sucessivas gerações, foi tacitamente encarregada, à falta de melhor, de suprir as falhas educacionais dos agregados familiares, está paralisada, acumulando contradições, erros, desorientada entre métodos pedagógicos que em realidade não o são, e que, demasiadas vezes, não passam de modas passageiras ou de experimentos voluntaristas condenados ao fracasso pela própria ausência de madurez intelectual e pela dificuldade de formular e responder à pergunta, essencial em minha opinião: que cidadão estamos a querer formar? O panorama não é agradável à vista. Singularmente, os nossos mais ou menos dignos governantes não parecem preocupar-se com estes problemas tanto quanto deveriam, talvez porque pensam que, sendo os ditos problemas universais, a solução, quando vier a ser encontrada, será automática, para toda a gente.

Não estou de acordo. Vivemos numa sociedade que parece ter feito da violência um sistema de relações. A manifestação de uma agressividade que é inerente à espécie que somos, e que em tempos pensámos, pela educação, haver controlado, irrompeu brutalmente das profundidades nos últimos vinte anos em todo o espaço social, estimulada por modalidades de ócio que viraram as costas ao já simples hedonismo para se transformarem em agentes condicionadores da própria mentalidade do consumidor: a televisão, em primeiro lugar, onde imitações de sangue, cada vez mais perfeitas, saltam em jorros a todas as horas do dia e da noite, os video-jogos que são como manuais de instruções para alcançar a perfeita intolerância e a perfeita crueldade, e, porque tudo isto está ligado, as avalanchas de publicidade de serviços eróticos a que os jornais, incluindo os mais bem-pensantes, dão as boas-vindas, enquanto nas páginas sérias (são-no algumas?) abundam hipocritamente em lições de boa conduta à sociedade. Que estou a exagerar? Expliquem-me então como foi que chegámos à situação de muitos pais terem medo dos filhos, desses gentis adolescentes, esperanças do amanhã, em quem um “não” do pai ou da mãe, cansados de exigências irracionais, instantaneamente desencadeia uma fúria de insultos, de vexames, de agressões. Físicas, para que não fiquem dúvidas. Muitos pais têm os seus piores inimigos em casa: são os seus próprios filhos. Ingenuamente, Ruben Darío escreveu aquilo da “juventud, divino tesoro”. Não o escreveria hoje.

Ééé, a coisa tá feia pra todos os lados.

Rafa

6 comentários:

Anônimo disse...

Definitivamente vivemos um momento d "falência" das instituições, em especial a família e a escola.
Ñ q a escola seja tão necessária, particularmente vejo-a como alienante e absurda.
Historicamente foi criada apenas para ocupar o tempo das crianças e torná-las um padrão (lembranças do positivismo): todos de uniformes, com a mesma idade e estudando as mesmas coisas (como se todos pensassemos igual por conta da quantidade d aniversários). Além de "domesticar" as pobrezinhas: carteras alinhadas, quietos por 4 ou mais horas, sentadinhos...
Tanta energia acumulada e sendo obrigados a isso...
Msm já nascendo p dar errado, a escola dura ate hj, mas a família está dando errado por conta de mtos outros motivos, novos valores e informações...
O comportamento dos jovens apenas é fruto deste fenômeno, famílias com estruturas abaladas largaram a educação e o afeto como responsabilidades da escola. Doce ilusão q uma instituição, com 30 alunos por turma, conseguirá educar (em sentido lato) cada um deles, com tanta diversidade e conflitos em questão...
É um círculo vicioso que cria pessoas carentes de afeto familiar (q é insubstituível) e desnorteadas, sem a identificação que uma família proporciona.
Mas acredito que as mudanças já estão ocorrendo, mtas escolas já possuem um ensino diferenciado, e propõe uma educação mais humana.
A família também parece começar a mudar, já discute-se mais o assunto e há uma maior preocupação (até pq os custos com analistas são cada vez maiores).
Talvez, daqui uns anos, poderemos analisar melhor o q está acontecendo... tomara q seja apenas uma mudança social ou de paradigma e ñ um colapso anunciado...

Anônimo disse...

Meu Deus!!!! Desculpe-me pela "bíblia"... Empolguei-me (um pouco demais) com o assunto... ;)

Thunder disse...

imagina Mika, só contribui!!
quer virar nossa colunista???

ótimo comentário
beijo

Anônimo disse...

ah, obrigada... adorei o texto do post, trata d um assunto bastante pertinente...
e senti-me lisonjeada com o convite! ;)

bjão!

Unknown disse...

convidadíssima Mika.
suas belas palavras têm lugar cativo no nosso blog.

bjo.

Anônimo disse...

brigadão, Rafa... sempre q posso estou por aki!
adorei seu post!
bjos!